Mãe e esquerdista: na mesma frase, pode sim

Fiquei um tempo sumida. Estava catando inspiração pra escrever, talvez algo que mexesse com o meu universo materno além das trivialidades que deixam todo mundo de mãe mais colorido.

Como vocês devem saber, eu faço faculdade de História, o que propulsionou diretamente a minha já latente politização. Eu vim a conhecer outras teorias, outro modo de ver o mundo, acabando por cair nas graças do meu tão querido socialismo. Eu sempre fui muito pró-ativa nos movimentos sociais, participando de grêmios na escola, entidades de movimento estudantil na faculdade, manifestações - na passeata de 1 milhão, em junho de 2013, eu estava presente - e apoiando greves. Sempre achei que ficar parada não acrescia em nada a minha luta por uma sociedade mais digna.
E no meio de um contexto político tenso, de manifestações pipocando no país, governador renunciando, gente protestando em tudo quanto era lugar do Brasil, me descobri, em pleno setembro de 2013, grávida. Sem dúvida, é um estado em que você repensa totalmente a sua vida até então e como você vai seguir com ela daqui pra frente. Quando você é de esquerda, principalmente nos contextos atuais, há compromissos políticos e uma série de lutas com as quais você se compromete e se empenha. Porém, a maternidade te divide entre uma manifestação importante e uma sessão de conchinha vendo Discovery Kids.

Pode até parecer besteira, mas é um dilema que vai além da presença física. Ela atinge o ideológico, de todas as formas e de todos os lados. Ser uma mãe de esquerda é rebater investidas de vários âmbitos. É responder a um amigo que meu filho não vai "comer geral"; é não endossar que preciso de um casamento para criar meu filho; é não aceitar que por eu ser mãe, não posso me meter com política.

O machismo é um dos principais adversários (lá vem a Karol com machismo de novo!). Me chamam de irresponsável por "largar o meu filho" e ir pra uma reunião, um ato, uma eleição, um compromisso de militância. Embora, se eu fosse homem, pouco importaria deixar o meu filho com a mãe dele e ir.

Mas acho que o maior adversário, é a minha consciência materna. Saber que posso estar dando mais atenção à política do que ao Gael. Saber que posso estar doando um tempo que seria dele, à qualquer outra coisa. Mas a resposta, por mais conflituosa que seja, vêm rápido: ele é o principal motivo da minha militância. Ele é por quem luto, por quem dedico meu sangue, meus discursos, minhas manifestações. Luto por um mundo libertário, mais justo e mais igualitário. Se entro em um ato, é para que ele amanhã não seja condicionado aos menores empregos por ser negro. Se construo um debate, é para que ele não cresça achando que tem mais direitos do que uma mulher na sociedade. Para que não chame a coleguinha de piranha nem fale que o amiguinho tem "cabelo ruim". Se eu escrevo textos dentro de um coletivo, é para que ele não tenha vergonha de exibir os próprios cachos. É para que ele tenha ciência de que a universidade e um futuro melhor são dele por direito, não por mérito. Para que uma escola melhor, uma universidade de qualidade, uma sociedade sem exploração não sejam apenas uma questão de direito. Para que ele sinta orgulho de ter sido batizado em um terreiro por dois pretos velhos, e não vergonha. Mas principalmente, luto para que se nada disso acontecer, ele tenha a certeza de que ele deve continuar lutando, porque a luta é necessária e a causa, urgente.

Sou mãe solteira, negra, jovem e umbandista. Não ser de esquerda seria uma contradição não apenas genética, mas social. E milito para que o mesmo sangue de revolta e indignação com a desigualdade, corra também nas veias do meu filho. Não sou menos responsável ou menos presente na vida do Gael por isso. Sou mãe e de esquerda. Na mesma frase, pode sim senhor!

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