Como decidi cursar duas faculdades e ser mãe - um texto sobre escolhas

Primeiramente, fora Temer. (esse bordão nunca vai sair de moda, na minha opinião)
Segundamente...

QUE SAUDADE!

Fazia tanto tempo que não escrevia aqui que achei que tinha desaprendido. Mas é justamente sobre essa ausência que vim falar no texto de hoje. Um semestre inteiro de sumiço por aqui representou um novo capítulo da minha vida: eu iniciei minha segunda graduação.

(Alerta: esse texto é extremamente pessoal e subjetivo. Preparem-se para um "meu querido diário")

Há muito tempo eu queria falar sobre isso, porque é algo que fala muito sobre a minha autoestima. Sobre a minha sobrevivência, na verdade. 2017 foi um ano amargo, apesar de ter pitadas de açúcar. Passei por um processo de depressão severa (o que é assunto pra outro post). E a gente sabe o que ser mãe solo, mulher, negra e pobre numa sociedade de classes faz com a gente. Eu já me considerava uma vitoriosa há muito tempo, porque mesmo tendo todo esse acúmulo de opressões, eu já estava no nono período da faculdade de História da Uerj. 

Era uma vitória estudar e ser mãe. Sempre foi, na verdade. Depois que fui mãe na universidade, descobri diversos rombos e buracos que haviam no meio acadêmico e que a gente só descobre depois que vira mãe. A gente vê que a universidade não foi feita pra gente, e ela nega o nosso acesso o tempo inteiro. Ela barra as nossas crianças. Ela nos diz nas entrelinhas a todo o tempo: lugar de mãe é em casa cuidando dos filhos. E ai daquela que ousar estudar, trabalhar e criar filhos ao mesmo tempo. Além do julgamento, vem o autojulgamento. Conheci a pauta da creche universitária, lutei e militei por ela - e continuo pautando, visto que ela ainda não é uma realidade em muitas universidades não só aqui do Rio, como do Brasil, o que impede o acesso de diversas mulheres ao ensino superior.


Mas eu sempre gostei muito de estudar. E sempre quis fazer Jornalismo. Era um sonho antigo, da época em que eu era adolescente e fazia teste vocacional, mesmo sabendo exatamente o que eu queria. Só que já era difícil manter uma universidade sendo mãe, imagina duas? 

Mas, depois de uma depressão, você passa a dar razão ao ditado que diz: até uma topada empurra você pra frente.

Esse ditado nunca foi mais correto.

Gael tinha 3 anos quando eu decidi que tentaria uma segunda faculdade. Concomitante a primeira, claro: abandonar História nunca foi uma opção. Se tem uma coisa da qual me orgulho, é de fazer o que eu amo, e jamais pensaria em largar o curso. Mas eu queria mais. Não sei se vocês me entendem, mas depois que a gente tem filho, a gente acha que o tempo passa muito mais rápido. Acha que não vai dar tempo de fazer tudo o que se quer. E eu queria muito ser jornalista. 

Fiz o Enem com pretensões zero de passar - acho o Enem uma prova extremamente injusta, cruel e exaustiva. Mas queria tanto tentar, que aguentei os dois dias de prova, mesmo já estando em uma universidade. Até que encontrei o Vestibular Social da Unicarioca. Me inscrevi e esperei o dia da prova. Eu queria muito aquele curso, mas fiz sem ambição: eu estava tão enferrujada de vestibulares que não acreditava poder passar.

Foi quando veio a notícia: eu tinha passado em 9º lugar. 100% de bolsa. Minha segunda graduação tava ali. Era pegar ou largar.

Classificação geral do Vestibular Social da Unicarioca (o qual quase infartei quando vi o resultado)

Peguei. E hoje, depois de um semestre inteiro decorrido, vejo que foi a melhor escolha que poderia ter feito.
As pessoas me julgaram muito. Quando postei a foto do trote, em que fui pintada magistralmente de Mulher Maravilha, muitos disseram que eu fazia dois cursos porque não gostava de criar o meu filho. Porque queria ficar longe de casa. Que Gael não teria estrutura nem educação adequada. À todos esses, respondo com o sorriso do meu filho. Corri atrás dos meus sonhos - e isso é um exemplo que Gael nunca poderá dizer que eu não dei. Procurei estudar para dar uma vida melhor à minha cria. Escolhi fazer o que eu gosto e ser uma mãe feliz. Porque com certeza, seria muito pior para o Gael ver uma mãe frustrada, mal humorada e culpabilizando ele por ter perdido uma oportunidade.

Mas, para além disso, verifiquei que pouquíssimas pessoas me perguntavam sobre o papel que o pai
do Gael exercia nisso. Se ele também educava, criava, cuidava. Se ele também participava desse processo todo de eu ter duas faculdades pra administrar. Se ele se esmerava em ser mais participativo. Mas, mesmo vocês não respondendo, eu respondo: não. O pai do Gael continua exercendo as mesmas funções que sempre cumpriu na educação do nosso filho. Mas eu é quem tenho que me preocupar se ele vai estar sendo bem criado ou não, se eu estou ausente demais ou não, se eu procuro ser mais participativa ou não.



Levar duas faculdades não é fácil. Com um filho, mais ainda. É muito complicado administrar a tabela de horário de entrada e saída da escola do meu pequeno, com o horário do estágio (sim, eu ainda estagio), com o horário da Uerj, com o horário da Unicarioca, e ainda dar tempo de cuidar do Gael. MUITAS (repito, MUITAS) vezes eu falho nesse processo. Gael às vezes precisa de mim e eu tenho um trabalho pra digitar, um texto pra ler, um artigo pra escrever, um slide pra estudar. Na hora não percebo... mas depois dói bastante. A culpa bate fundo. Mas me orgulho de saber que ele tem consciência de que a mãe dele estuda - e muito. Que a mamãe se esforça. Que ela corre. Que ela briga por ele.

Procuro fazer com que os momentos em que tenho paz com ele sejam proveitosos: a volta da creche é sempre um ótimo momento. Conversamos sobre o que ele fez na escola, o que ele comeu, do que ele brincou. Quando eu recebo, damos um passeio pelo shopping, tomamos um sorvete, ele brinca. Leio pra ele quando ele está com paciência, rs. Às vezes eu preciso estudar. Preciso respirar, somente. E é complicado ver que ele está no celular vendo vídeos, mas eu procuro não me julgar: eu também preciso de paz. 

Não sou perfeita, mas sou a Mulher Maravilha. Não porque acerto sempre, nem porque dou conta de tudo: mas porque procuro acertar sempre e dar o exemplo ao meu filho de que ele precisa ser melhor. Gael é preto, pobre, filho de uma mãe solo, morador da Zona Norte do Rio de Janeiro. Se ele não tiver um exemplo de alguém que lute contra o sistema... ele vira estatística. Luto pra que ele não faça parte da maioria esmagadora de jovens afrobrasileiros que morrem nas mãos da violência urbana do Estado, mas sim pra que ele seja parte da porcentagem de pretos que invadiram a universidade, como a mãe dele é. Mas muito mais que isso: eu quero que ele veja muito mais pretos, mães e crianças na universidade do que eu vejo. Porque se hoje eu tenho uma rotina estressante, louca, desordenada e atarefada, é para que amanhã ele olhe pra mim e diga: mãe, você conseguiu.




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