Campanha a favor do direito da mulher

Me pediram tanto para (re)ver minha barriga que atendi a tais pedidos.  Mas não pelo mesmo motivo. Essa sou eu grávida de, se não me engano, 32 semanas do Gael (2 antes de ele nascer, prematuro). Essa sou eu com 19 anos, nenhuma estrutura financeira nem familiar pra ter um filho. Porém, essa sou eu encarando essa realidade que acima de tudo, EU ESCOLHI pra minha vida. Então por que não aderi à campanha?  Eu sou mais uma pra estatística das que não abortaram e preferiram ter seu bebê.

As pessoas parecem não entender (ou não querer entender) que a discussão não é se o aborto é certo ou errado, mas se ele é legal ou ilegal. Isso muda tudo.
Vamos conversar aqui, eu e você: você conhece uma mulher que já abortou. Eu conheço.  E todos conhecem. Porque O ABORTO EXISTE E SEMPRE EXISTIU.  Ele sempre foi praticado, e sempre vai ser.

Aí você vai me falar: existe camisinha, Karol. Existe pílula.  Todo mundo conhece. Não tem razão de ser isso.

Pare pra pensar então, em diferentes situações.  Pare pra pensar numa muçulmana que não deseja filhos, e sua religião (nem seu marido) permitem. Pare pra pensar numa dependente química que passa tanto tempo em órbita que não lembra nem que existe vida, quanto maie pílula.  Pare pra pensar numa moça criada numa família conservadora nordestina, oriunda de uma família com 7 tios e 18 irmãos, cuja cultura simplesmente não abrange contracepção.  Pare pra pensar numa mulher que não pode usar métodos hormonais (como eu) e a camisinha fura. Em um casamento protestante ferrenho, em que camisinha é coisa do demônio.  Ou na mulher comum de casa que esquece a pílula num dia de trabalho estressante. Numa adolescente iludida no "conto do gozar fora". Numa mulher com problemas psicológicos que não tem simplesmente estrutura neurológica pra ter um bebê.

O julgamento é muito fácil quando visto de fora. Os contraceptivos nem sempre são tão perfeitos quanto a mídia faz parecer. E mesmo que fizessem, eles podem dar errado. A questão de dar fim ou não à gestações é uma polêmica que se pode debater depois, mas a questão é: mulheres vão optar por dar fim, sim. Sempre haverão mulheres predispostas a tudo por essa opção.  E a questão é: será que vale a pena ceifar tantas vidas em prol da moralidade?

A verdade é que todos os tipos de mulheres abortam. Brancas, ricas, negras, pobres, solteiras, casadas, adolescentes ou maduras. A diferença é que as mulheres ricas e em sua maioria, brancas, abortam em clínicas de luxo, com seu obstetra de confiança, com internação e até suquinho de laranja na hora do almoço.
E as mulheres pobres? As que conseguem economizar uma boa soma entram em clínicas que são verdadeiras carnificinas femininas, com higiene precária, com risco de morte e de perda de fertilidade. As menos desprovidas tomam combinados químicos que provocam contrações.  Chás de ervas, maconha, arruda. Perfuram o útero com cortantes, estiletes, facas, bisturis e agulhas de tricô, correndo  risco de hemorragia intensa sem nenhum respaldo médico.

E o pior é que elas são maioria.

Tantas mortes e sequelas graves causadas por um governo ignorante que não percebeu que a mulher tem direito de escolha sobre o próprio corpo. Que ela não é obrigada a lotar mais um orfanato ou gerar mais um menor de rua. Ou uma criança que pode ter uma infância traumática por NÃO SER QUISTA. Num país com um sistema de adoção tão precário, uma concentração de crianças abandonadas e que sofrem maus tratos, a criminalização do aborto é substancialmente absurda.

A vida é importante sim. Mas a vida JÁ EXISTENTE é ainda mais. Pela vida das mulheres, pelo direito de escolha feminino.  Sou mãe solteira, aos 20 anos, e esse é meu barrigão de protesto: DIGA NÃO A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO!

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