O que você pensa quando conhece uma mãe solteira?

Lembro-me perfeitamente desse dia: eu estava grávida, pedindo uma xerox na faculdade, quando um cara que eu conhecia só de "oi" me perguntou "nossa, você tá grávida?" (A VONTADE É DE RESPONDER QUE ENGOLI UMA MELANCIA, MAS O CORAÇÃO É DE MOCINHA!)
Respondi prontamente que sim, eu estava grávida. E a resposta automática dele foi: "mas você nem tem namorado"; essa resposta ecoou na minha cabeça por um bom tempo. O que será que as pessoas pensam quando vêem uma mãe solteira?

Primeiro: esse termo já é completamente errôneo. Ser mãe não tem nada a ver com estado civil. Na verdade, nunca teve, porque desde o princípio dos tempos, onde os filhos eram somente fruto do sagrado matrimônio, as mulheres sempre criaram seu filhos sozinhas, pois a criação das crianças sempre dependeu da mulher. Então... mãe solo é um termo bem mais adequado.

Então, refazendo a pergunta: O que você pensa quando vê uma mãe solo?

É uma das perguntas que talvez mais reflitam o machismo nosso de cada dia enraizado na gente.
Eu me lembro bem de ter 14 anos e muito orgulho de não ter engravidado. Quando eu via meninas sozinhas e já grávidas, eu tinha pena. Muita pena. Já imaginava um contexto todo na minha cabeça, uma história de novela, algo que pudesse ser extremamente trágico na vida daquela menina.

Não que não fosse, sinceramente. Mas o engraçado é que a gente sempre associa a ideia de que uma criança necessita de um pai, quando na real, em muito poucos casos ele realmente tem uma presença ativa na vida da criança. A velha história do patriarcado, em que o homem deveria ser o provedor do sustento e a mulher, a rainha da casa e a mãe zelosa, sempre perdurou uma relação muitas vezes distante entre pais e filhos. Quase sempre, a criança criava um misto de respeito e medo pela figura paterna - afinal, quem nunca ouviu a frase "eu vou contar pro seu pai" e tremeu na base? - e isso trouxe reflexos reais pra atualidade, com algumas alterações. 
O papel de cuidar e criar as crianças, de alimentar, dar banho, trocar fralda e se preocupar com material escolar, quase sempre, é da mãe. É dela que provém todo o cuidado educacional da criança e, principalmente, isso é o que se espera que ela de fato faça. Ao pai, cabe aquele famoso gesto de "passar o cartão", ou seja, bancar as atividades das crianças e seu sustento, e dar aquela famosa bronca derradeira, quando a mãe já está exausta.

Desses exemplos, podemos tirar duas coisas bem interessantes:

A. A sociedade ainda acha que a mulher não tem voz sozinha, e que precisa sempre ser reafirmada por um homem. Sabe aquela frase acima "eu vou contar pro seu pai"? Essa frase reitera que a autonomia da mãe para cuidar de uma criança é insuficiente, já que a última palavra, o último esporro, aquele que REALMENTE É OUVIDO, precisa ser do pai. Claro que as construções familiares são diferentes e, graças à Deus, isso vem mudando bastante. Mas o nosso imaginário inconsciente, não. O que a gente pensa quando olha uma mãe solteira brigando com um filho fazendo malcriação é, quase sempre, que talvez uma voz "mais enérgica" faria mais efeito, já que à mulher é atribuída a docilidade, a ternura e o famoso "coração de manteiga". Nem preciso dizer que a voz enérgica esperada é sempre masculina.

B. Mesmo quando há uma autonomia com relação à mulher, ela sempre é considerada uma coitada. Digamos que a etapa A tenha sido vencida, e que a mãe solteira tenha conseguido a tal autonomia. Ainda assim, o inconsciente coletivo nos faz ter piedade da mãe solo. Ela faz tudo o que uma mãe casada faz também, mas ainda assim, é olhada com aquele olhar de "nossa, tadinha, ela cria o filho sozinha"... Quando ela é perfeitamente capaz de fazer isso.

A verdade é que: a mãe solo não é um problema. A criação de filhos vem sendo um assunto somente de mulher há séculos. Mães casadas já eram mães solo muito antes da gente começar a ter esse conceito. 

O que é de fato um problema, são pais que escolhem não ser pais. E eu me refiro às diversas formas dessa escolha. Ao pai que simplesmente abandona a parceira grávida. Ao pai que acha que só pagar pensão é o suficiente. Ao pai que acha que criar filho é "ajuda" e que merece um troféu. Ao pai que se omite das principais decisões de filho. Aos famosos "pais de Facebook", onde uma foto já é demonstração de amor e cuidado o suficiente. Aos pais que, mesmo morando com seus filhos e partilhando o seu dia-a-dia, se ausentam e negligenciam a criação das crianças, deixando tudo nas costas da mãe.

Então, não, mães solo não são dignas de pena. Nem problemáticas. Algumas escolhem serem mães solo e são felizes assim. Algumas não, mas são assim mesmo. Algumas não escolheram, e também não são felizes, mas se dedicam aos filhos. Algumas tinham outra expectativa de pai. Algumas são casadas.

Então, depois de ler isso, encontre uma mãe solo e repense: o que você pensa quando conhece uma mãe "solteira"?


Na foto: Amigas de uma mãe solo adaptando o bar ao Gael!
(aposto que vocês não imaginavam uma mãe solteira assim, também)

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