O papel da mãe na militância política

"Quando se tornou conveniente valorizar a maternidade, tendo em vista os altos índices de mortalidade infantil, ela foi investida de uma mística religiosa e filosófica que naturalizou ainda mais o papel de mãe (...). E não deixa de ser irônico: o 'fato novo' que permite à mulher elevar seu status na sociedade - a maternidade - é o mesmo que vai contribuir para o seu afasamento do espaço público. Simone de Beauvoir dirá, mais tarde, quea maternidade foi nosso hand cap, e Elizabeth Badinter, que o amor materno foi um mito cuidadosamente construído para melhor manipular as mulheres" (DUARTE, 23:2016)

Ando carente de fazer um texto sobre esse há muito tempo. Acho que esse tema reflete toda a criação do meu blog, da minha página e de toda a minha luta feminista, que move a minha vida e a educação que eu dou ao Gael.

A militância de esquerda como um todo cresceu bastante. Com o avanço da tecnologia, todo mundo teve um pouquinho mais de acesso à novas ideias, o movimento estudantil se alastrou e atingiu novas camadas da sociedade e o ressurgimento de uma nova onda feminista, ressignificando algumas pautas e acrescentando novas, deu um gás para um novo boom esquerdista, e isso é algo muito bom. A Internet possibilitou que a militância política, não só estudantil, mas a popular, a trabalhista, a feminista etc. se desse de uma nova forma. Grupos na internet são criados para debates de comunidades que compartilham das mesmas ideias e isso ajudou muito também na empatia de não militantes. A esquerda ficou mais atrativa.



Eu sou militante. Componho uma organização política de esquerda e construo a Frente de Mulheres da mesma. É o que chamamos de militância de rua, pessoas que para fora dos muros da Internet, também militam nas manifestações e eventos presenciais que são feitos.

O problema é que, infelizmente, eu sou uma exceção. Raramente uma mãe tem espaço numa organização política de militância de rua, e principalmente, numa militância estudantil. O motivo, talvez vocês já saibam qual é: as tarefas da mulher real, intensificadas quando ela é mãe, impossibilitam-na de se incluir nos espaços físicos.

A falta de mães nesse espaços reflete, na verdade, o que acontece em muitos espaços da sociedade como um todo. Na universidade, por exemplo, as mães são sumariamente rejeitadas. A falta de creches universitárias que atendam as reais demandas da mãe, o ambiente muitas vezes hostil da classe - e do professor - em relação ao filho da universitária mãe, o período de licença-maternidade extremamente curto e a inflexibilidade dos cursos nas universidades públicas para que mulheres mães consigam estudar é só um dos fatores que expõem o lugar onde a sociedade quer que a mãe esteja: como a "rainha do lar", cuidando dos filhos. A universidade enfatiza que a existência de uma multimulher não pode existir, ou seja, que uma mulher não possa ser mãe, e mulher, e universitária, e trabalhadora, mas sim o conceito natural de supermulher: ela deve fazer tudo isso, e ainda cuidar da casa e dos filhos, pois esse é o papel dela. E nenhum setor da sociedade facilitará o seu acesso à todos esses espaços: se ela quer estudar sendo mãe, ela que se vire.

 (Movimento Feminista no Chile, década de 70)

No mercado de trabalho, não difere muito. Para além dos salários inferiores aos homens, as mulheres mães sofrem com seu afastamento da esfera de trabalho. Que mãe nunca teve medo de falar que tinha filhos na hora da entrevista de emprego? Além do receio não ser o mesmo para os pais, porque já se pressupõe que o pai não terá tanta influência na criação e cuidado dos filhos quanto a mãe, ainda se pressupõe que uma mulher mãe não terá um desempenho satisfatório por em muitos momentos, precisar cuidar do filho em algum momento do período de trabalho. Mesmo sendo lei, mulheres grávidas ainda são demitidas, ou são logo após o período de licença maternidade. Inclusive, até o deputado federal Jair Bolsonaro endossou o discurso de que mulheres deveriam ganhar menos, pois engravidam e têm filhos (http://revistacrescer.globo.com/Familia/Maes-e-Trabalho/noticia/2015/02/jair-bolsonaro-diz-que-mulher-deve-ganhar-salario-menor-porque-engravida.html). A sociedade no geral, tanto no que tange à qualificação, quanto no que tange ao meio profissional, ainda trata a mulher como se o lugar dela fosse em casa, trocando fraldas e fazendo papinha.

E aí você me pergunta: MAS O QUE A MILITÂNCIA POLÍTICA TEM A VER COM ISSO?

Esse é o ponto mais problemático da questão: a militância, que deveria por essência combater, reproduz esse comportamento. A mulher ainda é vista como algo que impede a política de andar. Se existe um debate feminista dentro de uma organização mista, ela é separatista, ou está segregando o movimento. Se as pautas das mulheres são tidas como prioridade, ela está se colocando acima da luta contra o capital. A figura do chamado "esquerdomacho" é muito tratada ultimamente pelo movimento feminista militante, que calha na questão do companheiro homem não reproduzir as ideias que ele mesmo deveria defender. E isso só piora quando a mulher é mãe. A falta de tempo da mulher mãe se torna um impecílio dentro da militância, seja ela estudantil ou partidária. A sobrecarga da responsabilidade da criança gira em torno da mulher, o que a torna "pouco produtiva" pois ela não pode estar presente em muitas das atividades presenciais das organizações. O lema é "se você não tem tempo de militar, então não milite".




O que a esquerda parece ter esquecido, foi que a militância é, em sua origem e por sua razão de ser, pra quem não tem tempo nenhum. A militância política de esquerda serve ao trabalhador de 8 horas por dia, à quem é explorado todo dia no telemarketing e no McDonald's. E se a militância têm em sua essência o feminismo, a mulher mãe também têm que ser incluída nesse discurso. Se existe alguém explorado pelo capital, esse alguém é a mãe, que muitas vezes tem que transformar um salário mínimo em água, luz, gás e aluguel quitados, comida na mesa e leite em pó na mamadeira. E se tem alguma força de trabalho que exige respeito, essa força é a da mãe, que é superexplorada pelo pai, muitas vezes, precisa dar conta do serviço da casa e da cozinha e não tem seus direitos respeitados nem quando quer estudar ou trabalhar fora.

Se sua militância inclui o trabalhador, o pobre, o preto, a mulher, mas não inclui a mulher mãe, reveja sua política. Se ela não têm tempo de cuidar da militância estudantil prolixa e academicista ou da militância política contaminada e oportunista, deve ser porque ela está semeando a revolução no seu dia-a-dia. Ser mulher e mãe na sociedade patriarcal já é por si só, um ato político. E a revolução será feminista. Ou não será.


Na foto: Eu, na I Semana Político-acadêmica de Consciência Negra do Curso de História-UERJ, palestrando sobre o papel da mulher negra na sociedade enquanto mãe.

Referência da citação:


DUARTE, Constância Lima. Imprensa feminina e feminista no Brasil - Século XIX. Belo Horizonte, 2016.

Comentários

  1. Boa tarde,li o relato da karoline Miranda e me lembrei de quando do meu!sou Alessandra mãe de 3 filhos.a minha 1 filha tive na maternidade Promatre,e fui bem tratada, achei lindo os trabalhos sociais que tinha lá para mães desamparada.
    Quanto ao meu 2 filho não tive no Rio de janeiro, 2 anos depois tive o meu segundo filho,gravidez complicada e angustiante!o meu ex marido me abandonou gravida aos 3 meses e não foi nada fácil!eu não me dava com meu padrasto e td era um inferno! Quando foi no dia 5 de setembro as 21h eu senti uma leve cólica,nas dessa vez era diferente ,eram como se minha coluna tivesse se abrindo!fui ao hospital de Carmópolis (Sergipe) e lá me vieram com perguntas que aqui no Rio nunca me fizeram uma delas foi: o tampão saiu?saiu uma placa branca?
    Falei não sei nem o que é isso!estou com cólicas e com 9 meses
    Na sua arrogância ela me criticou por ser ignorante,e me mandou pro hospital de capela(detalhe outra cidade)pois só lá tinha maternidade! Chegando lá entregamos a documentação e exames,minha mãe não pode ficar,pois tinha que ficar com minha filha. Chegando lá me deram uma injeção para aumentar a dor,mas minha bolsa não estourava,eu me contorcia de dor e eles me diziam que a bolsa devia ser estourada sozinha!lagrimas descia dos meus olhos,aos prantos implorei para o médico fazer uma cesária pois já tinha passado muito tempo,mas ele falou que ia ser assim!com muita dor eu fui pra sala de parto as 23:45 depois da bolsa estourar, ele fez o parto e eu não vida o meu filho saiu e foi direto pra incubadora,e pior na hora de dar os pontos eu sentia muita dor,como se o medico não me desse a anestesia local para costurar.logo depois comecei a abserva o rosto da enfermeira, quando eu reclamava que estava doendo e o medico dizia que já tinha me dado 3 anestesia,ela balançava a cabeça como se sentisse cada ponto que ele fazia,sim ela viu minha dor!fui ver meu filho na tarde do outro dia!pois eles disseram que ele nasceu com preblemas respiratório, perguntaram se eu era fumante ou convivia com um,mas lá em casa ninguém fuma!meu filho gracas a Deus estava bem e fui para casa dia 7 graças a Deus com td em ordem!mas lá vida de td,mulher ter filho no banheiro,na escada de subir na cama(a dor da coitada era tanta que ela ficava gemendo se segurando na escadinha de subir na cama)e outras que desmaiavam ao esperar alguem pra ir com ela tomar banho depois do parto!gostaria que td a crianca nascesse num ambiente de amor e carinho mas enquanto tiver maternidades como essas vai ser dificil!

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  2. Amei o texto! Sou mãe "solteira" e isso, por si só, não me impede de voltar a estudar ou participar de algum coletivo, mas dificulta um bocado! Tô tentando fazer a revolução dentro de casa, já que é o que dá pra fazer por enquanto! Beijos pra nós!

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